Ontem, encontrei-me com uma velha amiga, ainda dos tempos de faculdade. Nem acreditava que, era a minha melhor amiga já com duas crianças pela mão. Sentámo-nos numa esplanada, de uma pastelaria e enquanto bebericávamos uma chávena de chá, esta convidou-me para, passar uns dias com ela, na terra dos pais, situada “lá para trás do Sol-posto” ou se preferirem “para onde Judas perdeu as botas”. Mas esta não nomeou, o desejo de levar com ela, aqueles dois docinhos de fita no cabelo e vestido azul e intrigada, perguntei:
– Então não levas as tuas meninas?
– Não! Achas?! Estas meninas não são minhas filhas… é que sabes, eu nas minhas horas vagas, sou ama. Foi um biscate que eu arranjei.
– Ah! Então agora estás de férias!
– Não, não. As minhas férias ainda não gozei todas…
– Então, mas… não vais à terra dos teus pais?
– Vou.
– Agora é que eu não percebi nada!?
– Eu explico, trabalho num restaurante e faço muitas horas extras e como…
– Não me digas que não te pagam?
– Não pagam essas horas… mas compensam de outra forma. Já ouviste falar em banco de horas?
– Não.
– Então, isto processa-se assim: todas as horas extraordinárias que fizeres, que supostamente seriam pagas, ser-te-ão dadas, em tempo livre. E quando tu pedires à tua entidade patronal, para as gozar, aí gozas as horas que fizeste a mais. Portanto, como fiz muitas horas, tive direito até a folgas!
– Ah… já percebi. As leis são feitas para o empregador e o trabalhador se quiser aceita, se não quiser, há mais quem queira!
– Mas chega lá de conversas. Vens comigo ou não? Anda, vai ser divertido!
– A pedido de várias famílias, eu vou. Até amanhã.
E lá fomos nós, de carro por serras e planaltos na nossa expedição, para a terra “onde Judas perdeu as botas”, a ouvir as nossas músicas favoritas, dos tempos de faculdade.
Quando, chegámos, esperávamo-nos uma fogueira bem acesa que iluminava a sala toda e o crepúsculo gelado com cheirinho a sonhos, acabadinhos de fazer pela mãe da minha amiga.
Depois de, nos refazermos da longa viagem, ceámos e deitámo-nos, com o conforto de um cobertor de penas.
Quando, acordei e fiz o que faço todas as manhãs, após o meu pequeno – almoço, liguei o meu portátil e acedi à net com uma pen e verifiquei a minha caixa de email e procurei emprego, nos vários sites de emprego. Mas houve, uma oferta de emprego, que me deixou deveras apreensiva. No qual foi, o meu espanto, ver a que ponto a sociedade chegou… “Coveiro, precisa-se”. De imediato, chamei a minha amiga, para lhe mostrar o que encontrara. Quando, esta foi ao meu encontro, perdi a ligação da internet… Bom, fiquei tão perplexa quanto angustiada, por ver ofertas destas na internet…
Ao fim de um pouco, para desanuviar fui ver televisão, mas não apanhava sinal. E disse, então para a minha amiga:
– Então, não dá?
– Pois, não. E não vale a pena, perguntares o porquê, visto que, esclareço-te já. Desde, aquela época que, “inventaram” a televisão digital, nem aqui nem nas aldeias vizinhas, tivemos televisão. Só aqueles que, têm contratos com outras “redes”, por assim dizer, é que têm esse luxo, luxo esse que se paga.
– Entendi, então os mais pobres, não podem e agora os remediados pensionistas, que ainda podem ter esse luxo, vão cortar-lhes ainda mais a reforma, porque o nosso Primeiro-ministro considera que, descontaram pouco. É pena, porque quando chegar a altura dele, nem Segurança Social existirá para, lhe pagar a reforma. Só a TAP, contribuía em grande percentagem, para a Segurança Social e querem vendê-la! Tristeza!
– Eu tenho dó, do nosso Presidente da República, nem as reformas chegam para pagar as despesas… Coitado.
– Não tenhas dó, rapariga! Não, vês que, agora esconde-se atrás do Tribunal Constitucional…
– Deixa, lá isso, agora. Olha, vai conhecer a terra. Desculpa, não te acompanhar mas que estou a ficar constipada…
– Olha, não fiques doente! Já viste que, as taxas moderadoras foram aumentadas? E as Urgências? Vais lá com uma dor de cabeça, sais com uma dor no bolso?! E é melhor que, não fiques internada, visto que, sais até mesmo antes, de te terem internado. A saúde está pela hora da morte.
Depois, desta conversa com a minha amiga constipada, saí de casa e avistei um castelo e deparei, com um senhor muito bem-parecido, já com uma certa idade, que deambulava pela rua olhando as pedras da calçada. E achei estranho, ver aquele senhor com um ar tão cabisbaixo e triste, mas como gosto de fazer amizades, perguntei-lhe:
– Bom dia! Como está? Sou nova na terra… sabe-me dizer o horário de funcionamento das bilheteiras, para visitar o castelo?
– Sei, mas não vale a pena. Quem lá trabalhava, era o vice- presidente da Câmara, que nos fins – de – semana, abria as portas do Castelo mas foi para Lisboa. Olhe, foi morar com os filhos… a Câmara, a que nossa freguesia pertencia, vai deixar de existir.
Quando me virei, para consolar o senhor, fiquei consternada ao olhar para um panfleto colado na parede, de uma casa. E perguntei ao senhor:
– Então, vocês precisam de um Coveiro?
– Ah, esse foi outro. O coveiro era o presidente da Junta de Freguesia e teve de emigrar para o estrangeiro.
– Então, e agora?
– Como esta Junta também será extinta, ele viu-se, na obrigação de emigrar para pôr o pão na boca dos filhos… coitado, um homem já de 50 anos, agora emigrar… Mas, em resposta à sua questão, já pedimos ao IEFP para mandar alguém, mas disseram-nos que, os que estão a receber o subsídio de desemprego não querem trabalho e os do rendimento mínimo, também não, visto que, estão a receber ser fazerem nada e vinham trabalhar para receber menos e ainda descontar?
– Ok. Bom, foi um prazer conhecê-lo.
Continuei a minha volta e depois fui para casa ver se a minha amiga estava melhor. Quando, cheguei, encontrei-a melhor e começámos a conversar dos tempos de faculdade, quando me interrompeu e perguntou o que tinha achado da aldeia e contei-lhe o sucedido. No meio da nossa conversa, entra o seu pai, cumprimenta-nos mas resmungando:
– Eu sou da PSP, há já 33 anos e nunca vi tal coisa! Agora querem passar as nossas funções à GNR? Vou demitir-me. Ficar só com o policiamento urbano? O Governo que nos aguarde…
-Pai tenha calma. (retorquiu a minha amiga)
– Estou para ver, quando nos revoltarmos, quem é QUE os irá proteger… Talvez, sejam os militares dentro dos tanques comprados, sem serventia nenhuma… Se tivesse as previsões do Ministros das Finanças que, acertam quase sempre e são raras vezes que não acertam, ganhava o Euro milhões e ia para bem longe!
No dia a seguir, voltámos para Lisboa e combinámos outro encontro. Mas disse à minha amiga:
– Olha, exige o pagamento das horas! Tens direitos!
Silêncio que não quer Calar